domingo, 8 de novembro de 2009

Mito e filosofia

A mente humana é naturalmente inquiridora: quer conhecer as razões das coisas. Basta ver uma criança fazendo perguntas aos pais. Mas as mesmas perguntas podem ser dadas diversas respostas: respostas míticas, científicas, filosóficas. As respostas míticas são explicações que podem contentar a fantasia, embora não sejam verdadeiras. Como, por exemplo, quando, a pergunta da criança “por que o carro se move”, responde-se “porque uma fade o empurra”. Já as respostas científicas procuram satisfazer a razão, mas são sempre explicações incompletas, parciais, fragmentarias: dizem respeito apenas a alguns fenômenos, não abrangem toda a realidade. As respostas filosóficas propõem-se, ao contrário, como dissemos, oferecer uma explicação completa de todas as coisas, do conjunto, do todo.

A humanidade primitiva (pode-se verificar em todos os povos) contentava-se com explicações míticas para qualquer problema. Assim, a pergunta “por que troveja?”, respondia: “Porque Júpiter está encolerizado”; à pergunta “por que o vento sopra?”, respondia: “porque Eolo está enfurecido”.

A nós modernos, estas respostas parecem simplistas e errôneas. Historicamente, contudo, elas têm uma importância muito grande porque representam o primeiro esforço da humanidade para explicar as coisas e suas causas. Sob o véu da fantasia, há nessas respostas uma autêntica procura das “causas primeiras” do mundo. Julgamos oportuno por isso, dizer aqui algumas palavras sobre o mito, sobre sue definição, sobre suas interpretações principais e sobre a passagem da mitologia grega pare a filosofia.

Turchi, grande estudioso da história das religiões, dá a seguinte definição de mito:

“Em sua acepção geral e em sua fonte psicológica, o mito é a animação dos fenômenos da natureza e da vida, animação devida a alguma forma primordial e intuitiva do conhecimento humano, em virtude da qual o homem projeta a si mesmo nas coisas, isto é, anima-as e personifica-as , dando-lhes figura e comportamentos sugeridos pela sue imaginação; o mito é, em suma, uma representação fantástica da realidade, delineada espontaneamente pelo mecanismo mental”.

Desta longa definição retenhamos a última parte: o mito é uma representação fantasiosa, espontaneamente delineada pelo mecanismo mental do homem, a fim de dar uma interpretação e uma explicação aos fenômenos da natureza e da vida.

Como dissemos acima, desde o início o homem procurou indagar sobre a origem do universo, sobre a natureza das coisas e das forças as quais se sentia sujeito. A esta indagação ele deu sob o impulso da fantasia criadora - tão ativa entre os povos primitivos - cor e forma, criando um mundo de seres vivos (em forma humana ou animal) dotados de história. A função deles era fornecer uma explicação para os acontecimentos da natureza e da existência humana: para a guerra e a paz, para a bonança e a tempestade, para a abundância e a carestia, para a saúde e a doença, para o nascimento e a morte. Todos os povos amigos - assírios, babilônios, persas, egípcios, hindus, chineses, romanos, gauleses, gregos - tem seus mitos. Mas entre todas as mitologias, a grega é a que mais se destaca pela riqueza, ordem e humanidade. Não é de se admirar, por isso, que a filosofia se tenha desenvolvido justamente da mitologia grega.

Do mito foram dadas as mais diversas interpretações, das quais as principais são: mito-verdade e mito-fábula.

Segundo a interpretação “mito-verdade”, o mito é uma representação fantasiosa que pretende exprimir uma verdade; segundo a interpretação "mito-fábula", ele é uma narração imaginosa sem nenhuma pretensão teórica. Para a primeira interpretação, os mitos são as únicas explicações das coisas que a humanidade, nos seus primórdios, estava em condições de fornecer e nas quais ela acreditava firmemente. Para a segunda interpretação, eles são representações fantasiosas nas quais ninguém jamais acreditou muito menos seus criadores.

Os primeiros que consideraram os mitos como simples fábulas foram os filósofos gregos. A eles se juntaram mais tarde os Padres da Igreja, os escolásticos e a maior parte dos filósofos modernos.

Mas, a partir do começo do nosso século, vários estudiosos da história das religiões (Eliade), da psicologia (Freud), da filosofia (Heidegger), da antropologia (Levi-Strauss ), da teologia (Bultmann) começaram a apoiar a interpretação mito-verdade, argumentando que a humanidade primitiva, embora não podendo dar uma explicação racional e metódica do universo, deve ter procurado explicar para si mesma fenômenos como a vida, a morte, o bem, o mal etc., fenômenos estes que atraem a atenção de qualquer observador, mesmo que dotado de pouca instrução. Na opinião de muitos estudiosos contemporâneos, os mitos escondem, portanto, sob a capa de imagens mais ou menos eloqüentes, a resposta dada pela humanidade primitiva a estes grandes problemas. Estas respostas pensam eles que merece ser tomada em consideração ainda hoje porque, em alguns casos, a humanidade primitiva, simples e atenta pode ter percebido melhor o sentido das coisas do que a humanidade mais adiantada, muito maliciosa e desatenta.

Das análises feitas pelos estudiosos de nosso tempo segue-se que o mito exerceu, entre os povos antigos, três funções principais: religiosa, social e filosófica.

Primeiramente, “o mito é o primeiro degrau no processo de compreensão dos sentimentos religiosos mais profundos do homem; é o protótipo da teologia”. Mas, ao mesmo tempo, ele e também aquilo que assinala e garante o pertencer a um grupo social e não a outro; de fato, o pertencer a este ou aquele grupo depende dos mitos particulares que alguém segue e cultiva. Finalmente, o mito exerce uma função semelhante a da filosofia, enquanto representa o modo de se auto-compreender dos povos primitivos. Também o homem das civilizações antigas tem consciência de certos fatos e valores, e cristaliza a causa dos primeiros e a realidade dos segundos justamente nas representações fantásticas que são os mitos.

Em nossa opinião, o mito é denso de significado tanto religioso como filosófico, tanto social como pessoal. Mas não concordamos com uma valorização que o equipare à filosofia. Embora tendo fundamentalmente o mesmo objetivo que o mito, a saber, o de fornecer uma explicação exaustiva das coisas, a filosofia procura atingir este seu objetivo de modo completamente diferente. De fato, o mito procede mediante a representação fantástica. A imaginação poética, a intuição de analogias, sugeridas pela experiência sensível; permanece, pois aquém do logos, ou seja, aquém da explicação racional. A filosofia, ao contrário, trabalha só com a razão, com rigor lógico, com espírito crítico, com motivações racionais, com argumentações rigorosas, baseadas em princípios cujos valores foram previa e firmemente estabelecidas de forma explicita .

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